quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A ficção científica B dos anos 50 parte 3 de 4

clip_image001
O Incrível Homem que Encolheu

A influência da Guerra Fria na ficção científica B

O efeito ciência

Se alienígenas não estavam à nossa procura, se eles não nos ameaçavam, era o próprio homem que o fazia. O militarismo e a corrida armamentista criaram a bomba atômica, e conseqüentemente, a radiação atômica. Se má manipulada, se usada num experimento e as coisas fugissem do controle, os efeitos seriam desastrosos. Algo precisaria ser feito para impedir uma maior histeria coletiva.
Não só homens da ciência, mas qualquer pessoa poderia impedir esse caos de se alastrar, às vezes o próprio mutante ou causador poderia fazê-lo. O importante era que fosse feito. Não faziam necessariamente mal aos outros, às vezes a radiação só destruía a vida de um homem. A questão era mostrar como a ciência estava progredindo. Questionavam se aquilo era de fato um avanço para humanidade, se todas aquelas descobertas científicas valiam mesmo a pena.
Separo em três temas como a ciência afetava a humanidade, geralmente de forma negativa: animais que tinham sua estrutura mudada pela radiação; seres mutantes pela radiação que causavam mal às pessoas e seres mutantes pela ciência que estavam condenados à destruição por si sós.

clip_image002clip_image003
O Mundo em Perigo e Tarântula

Dois filmes são grandes exemplos do primeiro caso. Filmes de qualidade artística, que mostravam pequeninos seres após o contato com a radiação ou drogas. O Mundo em Perigo trata da conseqüência de testes nucleares no deserto. O efeito causado em insetos, no caso, formigas. Dezenas de formigas gigantes se espalhando pelo sudoeste americano causando pânico e terror nas cidades por onde elas passavam. Já Tarântula trata de um aracnídeo gigante, um apenas, porém enorme e mortífero. Num laboratório, um cientista faz experimentos com um nutriente especial, criado para facilitar a fome mundial que viria do crescimento populacional (visão malthusiana da realidade). Além de diversos animais, ele usa o nutriente com humanos, e o efeito é mortífero. Uma das cobaias se rebela contra ele, e lhe aplica o soro com o nutriente. Durante o combate entre ambos, o laboratório é destruído, e uma tarântula foge. Seu crescimento é progressivo, e quanto mais se alimenta, maior fica, destruindo a cidade e as pessoas.

clip_image004
O Monstro Sanguinário

Em O Monstro Sanguinário temos um dos filmes que melhor exemplificam essa era. Não apenas pela história, mas pelos diálogos. Na trajetória do professor e cientista Donald Blake, uma descoberta fascinante lhe é permitida. Um peixe primitivo é levado à universidade para ele estudar, porém o seu sangue fora contaminado com raios gama para preservação. Esse sangue, ao entrar em contato com o organismo de seres atuais, causa um retrocesso, devolvendo-os à sua forma primitiva. Doutor Blake entra em contato com o sangue e se transforma num monstro instintivo assassino. Fazendo experimentos, descobre ser a causa de tais mortes.
Duas reflexões são trazidas dentro do contexto do filme, quanto ao futuro da humanidade:

“Às vezes me preocupo... A não ser que aprendamos a controlar os instintos que herdamos de nossos ancestrais primatas, a humanidade está condenada”.

“Depois de um milhão de anos subindo a escada evolucionária, a maior descoberta do homem é uma maneira de como desfazer suas conquistas e retornar ao estágio de selvageria. A maior tentação de nosso tempo: como deixar a besta triunfar sobre o inquisidor pela verdade”.

A questão da mutação também é tratada em Day the World Ended, sobre um grupo de pessoas que, após uma guerra nuclear, tem de enfrentar um ser mutante pelas suas vidas. O meio aqui é a fatídica guerra nuclear, embrião para uma raça de não-humanos aterrorizadores.
A ciência também era capaz de prejudicar um único homem, seja ele mesmo como objeto dos efeitos colaterais, seja um outro qualquer. A Mosca da Cabeça Branca traz um quê de Franz Kafka, ao mostrar um homem metamorfoseado em inseto. Ele faz experimentos com um teletransportador. A máquina desmaterializa o teletransportado de um lado e o reagrupa do outro. Porém, num experimento consigo mesmo, o criador não percebe a presença de uma mosca dentro da máquina; suas células então se mutam, e ele se transforma num homem-mosca. A Mulher Vespa aborda a história de uma empresária de cosméticos que descobre que enzimas de vespa rejuvenesceriam-na. Ela, então, resolve aplicar as enzimas em si, e se transforma na mutante mulher-vespa. Outro exemplo é O Cérebro que não Queria Morrer, em que, após um acidente de carro, um cientista se depara com a quase morte de sua namorada. Convicto que pode salvá-la, mesmo que seu corpo tenha sofrido falência múltipla, ele retira sua cabeça do corpo, pretendendo implantar em outro corpo com sua nova fórmula para evitar rejeição de tecidos. Ao acordar, ela é uma cabeça apenas, querendo a morte, e não um corpo qualquer de uma mulher que seria por ele morta.
Dois filmes se destacaram nesse contexto. Ambos hoje grandes nomes da ficção, cultuados pelo seu caráter aterrador e filosófico. Eles são O Incrível Homem que Encolheu e O Homem dos Olhos de Raio-X.
Em O Incrível Homem que Encolheu, Scott Carey está passeando de barco quando uma nuvem brilhante de radiação o atinge. A partir de então, ele começa a sofrer mudanças físicas. Está perdendo peso, suas roupas estão mais folgadas. Parece estar mais baixo. Questiona o médico, ele diz que é normal com a idade. Há um fade out, e corta-se para a cena em que Carey, já bem menor, discute com a esposa. Ele irá diminuir progressivamente, até se tornar parte do infinitésimo. Os principais problemas do homenzinho surgem quando um tirano gato entra em seu abrigo, uma casa de bonecas, e vê nele um ótimo aperitivo. Em sua fuga é abandonado, machuca-se; está agora num ambiente hostil, o porão. O uso do porão é sábio; o porão é úmido, sujo, pouco visitado, onde bichos podem proliferar - um lugar caótico - ainda mais para alguém de poucos centímetros. Uma pequena aranha lhe causa grandes transtornos, armando-se contra o pequeno ser apavorado.
A capacidade de criação do filme reside justamente nessa habilidade em contrapor mundos tão distintos, o nosso e o dos seres minúsculos. No discurso final, o questionamento de suas virtudes, de sua existência e de sua pequenez não o ludibria, e no infinito encontra aquilo que lhe é fundamental, o suplício de uma alma sem esperanças. Em sua divagação, pondera a eternidade e a infinidade, sob a ótica mais singela possível, sem pretensões e com sensibilidade.

clip_image005
O Homem dos Olhos de Raio-X

Em O Homem com Olhos de Raio-X, um médico tem um objetivo: expandir sua visão ao máximo. Seu argumento: só vemos 10% da capacidade. Para isso desenvolve um elixir chamado X, que aguça a visão, permitindo que tenha, assim, um alcance maior. Ele começa a experimentar em si mesmo, e a droga tem efeito cumulativo. Cada vez mais, ele enxerga através das coisas, funcionando como uma visão de raio-x. Acaba, por acidente, assassinando alguém e é obrigado a fugir. Porém a droga torna-se um martírio. A luz é muito forte e ele não consegue suportá-la por muito tempo. O deleite inicial de poder ver mulheres nuas é substituído pelo pavor de fechar os olhos e não conseguir mais ver a escuridão. Ao final, arrancando seus olhos, já completamente enegrecidos, ele se liberta de seu maior pesadelo, provindo do âmago de sua ciência, de sua criação.
Filmes assim mostram como a ciência da época julgava-se divina, capaz de criar e destruir o que bem entendesse.

Por Gabriel Carneiro


Filmografia citada:
Cérebro que Não Queria Morrer, O (The Brain that Wouldn’t Die, 1962, Dir.: Joseph Green)
Day the World Ended (1955, Dir.: Roger Corman)
Homem dos Olhos de Raio-X, O (X, 1963, Dir.: Roger Corman)
Incrível Homem que Encolheu, O (The Incredible Shrinking Man, 1957, Dir.: Jack Arnold)
Monstro Sanguinário, O (Monster on the Campus, 1958, Dir.: Jack Arnold)
Mosca da Cabeça Branca, A (The Fly, 1958, Dir.: Kurt Neumann)
Mulher Vespa, A (The Wasp Woman, 1959, Dir.: Roger Corman)
Mundo em Perigo, O (Them!, 1954, Dir.: Gordon Douglas)
Tarântula (Tarantula, 1955, Dir.: Jack Arnold)

Fonte; Revista Zingu!

Um comentário:

Helson Alves disse...

Parabéns. Excelentes textos.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...